A Bíblia contem muitas coisas negativas sobre as “obras”, especialmente sobre as “obras da lei”. Paulo enfatiza repetidamente que somos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da lei. A salvação não é “de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8).
Mas “boas obras” são outro assunto: na versão inglesa ESV da Bíblia, descobri que a expressão “boas obras” (no plural) é usada 13 vezes no Novo Testamento, com oito ocorrências nas epístolas pastorais. Sem exceção, a expressão é usada de forma positiva e não irônica para descrever o que seria uma atividade cristã exemplar.
Poucos textos são tão enfáticos em encorajar as boas obras quanto Tito 3. Se alguém argumentar que Paulo e Tiago estavam em desacordo sobre a necessidade de boas obras, há que indicar-lhe este capítulo. Nele podemos identificar três aspectos das boas obras: seu alicerce, sua importância e sua definição.
O Alicerce das Boas Obras
William Wilberforce renomado “bom samaritano”, certa vez definiu o cristianismo como “um projeto… para fazer os frutos da santidade os efeitos, e não a causa, de sermos justificados e reconciliados”. As boas obras são fruto, não raiz. Ou, adaptando a analogia, boas obras são tudo aquilo que vai dentro da casa, mas não são os alicerces da casa.
Isso é exatamente o que Paulo escreveu em Tito 3.8: “Fiel é esta palavra, e quero que, no tocante a estas coisas, faças afirmação, confiadamente, para que os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de boas obras”.
Note que as pessoas a quem é dito para serem solícitas na prática de boas obras são aquelas “que têm crido em Deus”. A fé salvadora e as boas obras não são como nossas mãos, uma separada da outra—ao contrário, a fé em Deus é o alicerce para as boas obras.
Paulo não está se referindo a uma fé genérica na existência de Deus, mas sim uma fé específica na bondade amorosa de Deus por nós no evangelho. Perceba como ele começa o versículo 8. As boas obras são resultado de Tito “confiadamente” afirmar “estas coisas” (na versão inglesa ESV, está escrito literalmente “insistir nestas coisas”). Confiadamente insistimos nestas coisas a fim de que os crentes realizem boas obras. Mas o que são “estas coisas”? Qual é esta “palavra fiel”? A resposta se encontra nos versículos imediatamente anteriores:
“Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna.” (vv. 4-7)
A única mensagem na qual podemos confiar para produzir boas obras é a mensagem que nos diz que nossas obras não podem nos salvar. Parece algo contraintuitivo, mas é o evangelho. Se quisermos uma casa cheia de boas obras, necessitamos primeiro estabelecer um alicerce sólido para elas.
A Importância das Boas Obras
Muitas vezes, pessoas centradas no evangelho podem ficar ressabiadas em relação às boas obras. Nós pensamos: “Basta simplesmente pregar o evangelho, e as boas obras acontecerão naturalmente sem que haja foco específico nelas”. Mas não é o que vemos em Tito 3. Em vez disso, Paulo diz coisas como: “Agora, quanto aos nossos, que aprendam também a distinguir-se nas boas obras” (v. 14) e “para que os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de boas obras” (v. 8). Há nisto, uma urgência muitas vezes ausente em nossa pregação.
Boas obras requerem nossa devoção. Afinal de contas, são para elas que fomos “criados em Cristo Jesus” (Ef 2.10). Precisamos ativamente “aprender” a praticá-las. A habilidade de realizar boas obras é infundida em nós quando nascemos de novo—portanto, o potencial está lá. Entretanto, a prática em si é uma habilidade adquirida (tal como andar de bicicleta ou ler), e parte do discipulado da Grande Comissão é ensinar as pessoas a realizá-las (Mt 28.20).
Assim como progressistas e defensores do evangelho social frequentemente enfatizam as boas obras a ponto de excluir o evangelho, pessoas reformadas, centradas no evangelho algumas vezes enfatizam o evangelho a ponto de deixar de urgir as pessoas a serem solícitas na prática das boas obras. Os primeiros buscam construir uma casa sem lançar o alicerce, enquanto os últimos querem lançar o alicerce sem construir nada sobre ele. Ambos são contrários a Tito 3, e nenhum deles vai embelezar a doutrina de Deus, nosso Salvador, da forma que Paulo pretendia.
A Definição de Boas Obras
A esta altura, alguém pode perguntar: “Ok, entendi. As boas obras são importantes. Mas o que são exatamente?”. Felizmente, Tito 3 nos fornece uma definição básica. Boas obras são atos práticos de amor que suprem as necessidades das pessoas.
Esta definição vem de alguns lugares de Tito 3. No versículo 8, falando sobre as boas obras, Paulo diz: “Estas coisas são excelentes e proveitosas aos homens”. Ao contrário de “discussões insensatas” e “debates sobre a lei” (v. 9), as boas obras ajudam pessoas. Depois, há o versículo 14, em que Paulo diz: “Agora, quanto aos nossos, que aprendam também a distinguir-se nas boas obras a favor dos necessitados”. Quando vemos uma necessidade, e, em amor, tentamos supri-la—isso é uma boa obra. As boas obras são o extravasamento de amor por Cristo que supre as necessidades de outros.
Vemos um exemplo concreto no versículo 13, em que Paulo diz: “Encaminha com diligência Zenas, o intérprete da lei, e Apolo, a fim de que não lhes falte coisa alguma”. Quando enviar alguém da sua igreja em prol do evangelho, certifique-se que suas necessidades serão supridas. É isso o que os filipenses fizeram por Paulo (Fp 4.15-18), e é isso o que Paulo queria que a igreja de Creta fizesse por Zenas e Apolo. É uma boa obra.
Boas obras podem suprir necessidades grandes ou pequenas, materiais ou espirituais, e o recebedor delas pode ser praticamente qualquer um. Aqui estão alguns exemplos:
Os perdidos necessitam ouvir o evangelho—portanto, compartilhá-lo com eles é uma boa obra.
Uma criança de quatro anos de idade que acorda às 2h da madrugada após um pesadelo precisa de conforto—portanto, sair da cama para consolá-la é uma boa obra.
Muitos grupos de pessoas ainda precisam da Bíblia em suas próprias línguas—portanto, estudar linguística ou aprender grego e hebraico para ajudar a dar-lhes a Bíblia é uma boa obra.
Pessoas que estão sofrendo precisam de oração e compaixão—portanto, colocar o braço em volta delas e orar por elas é uma boa obra.
Bebês precisam ter as fraldas trocadas ou ficarão deitados em sua própria sujeira. É uma necessidade urgente que eles não podem suprir por si mesmos. Pais, basta perguntarem para um conselheiro tutelar sobre os efeitos da negligência, e então se lembrem de que quando estiverem trocando fraldas, cozinhando o jantar e lendo histórias antes de dormir, o que vocês estão fazendo são boas obras.
Pessoas precisam de trabalhos decentes para que possam prover para suas famílias—portanto, usar seus dons como empreendedor para construir uma empresa e prover empregos significativos é uma boa obra.
Empresas precisam de trabalhadores confiáveis—portanto, permanecer sóbrio, ser pontual e seguir as ordens do patrão são boas obras.
Cidadãos precisam de proteção contra pessoas violentas—portanto, um policial que rende um atirador está fazendo uma boa obra; tornar-se policial, soldado, advogado ou assistente social para proteger os vulneráveis e manter a ordem e a lei também podem ser boas obras.
Torne-se Zeloso de Boas Obras
Está claro que “boas obras” não é uma categoria estreita e limitada que precisamos espremer os olhos para achar. Os campos estão maduros, a necessidade é grande e as oportunidades estão em toda a parte. “Nenhum homem tem o direito de ser ocioso”, disse William Wilberforce. Em um mundo como este, sempre se pode achar “algum ignorante para instruir, alguma injustiça para compensar, alguma necessidade para suprir, alguma miséria para aliviar”.
As boas obras não precisam ser coisas que nos tornam famosos por realizá-las. Nem todo cristão será um Wilberforce. A maioria nem será lembrada nessa vida. Tal como expressou o romancista George Eliot: “A bondade do mundo é parcialmente dependente de atos olvidados pela história; e o fato de que as coisas não são tão ruins para mim e para você quanto poderiam ser, devem-se em parte a um número de pessoas que viveram fielmente uma vida desapercebida e descansam em túmulos não visitados”.
No entanto, o evangelho nos diz que, um dia, esses túmulos serão esvaziados e aquelas vidas desapercebidas serão reconhecidas diante de todo o universo por nosso Pai celestial. Quando aquele dia chegar, você ouvirá Jesus dizer:
“Muito bem, servo bom e fiel. Tive fome e me deste de comer. Estava nu e me vestistes. Enfermo e me visitastes. Estava com medo e me confortaste. Estava sujo e me trocaste. Era ignorante e me ensinaste. fui ameaçado e me protegeste. Era órfão e me adotaste. Estava sem direção e me orientaste. Estava desempregado e me contrataste. Estava perdido e me evangelizaste. Era desprezado e te tornaste meu amigo.”
Então saberá que sua vida não foi desperdiçada e seu trabalho não foi em vão. Foi para criar isto que Jesus morreu: “um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14). Portanto, não nos cansemos de fazer o bem. Em vez disso, aprendamos a ser solícitos na prática de boas obras.
Traduzido por Rebeca Falavinha
fo0nte https://coalizaopeloevangelho.org/article/boas-obras-de-acordo-com-tito-3/