Leitura sugerida: Lucas 1.5-25, 39-45, 57-80.
O sacerdote Zacarias e Isabel já eram velhos e não tinham filhos. No dia em que coube a Zacarias entrar no santuário para queimar o incenso, o anjo Gabriel apareceu anunciando-lhe que sua oração fora ouvida, que sua esposa daria à luz um filho, e que aquela criança seria grande diante do Senhor. Houve incredulidade da parte dele por conta da idade avançada sua e de sua esposa, e, por isso, o anjo fê-lo mudo até que aquelas coisas viessem a realizar-se. Nascida a criança, no dia de sua circuncisão, perguntaram ao pai por acenos qual deveria ser o seu nome, ao que ele escreveu na tábua: “João”, conforme foi instruído pelo anjo. A comunicação por sinais indica que o silêncio imposto, muito provavelmente, não dizia respeito somente à inabilidade para falar, mas também que a surdez lhe atingiu durante os meses da gravidez de Isabel.
É interessante observar que a sensação de silêncio da parte de Deus deve ter perseguido Zacarias durante boa parte de sua vida. Do início da gestação anunciada até o nascimento de João Batista, o sacerdote, agora idoso, teve muito tempo para refletir na esperança que lhe falhou de ter um herdeiro enquanto era jovem e sua esposa era ainda de idade fértil, mas que agora, finalmente, tornava-se realidade. E no dia da circuncisão de seu filho, ao escrever o nome da criança, ele começou a falar – ou melhor, “a boca se lhe abriu, e, desimpedida a língua, falava louvando a Deus” – Lucas 1:64. As suas primeiras palavras foram um cântico de louvor! Por isso, esse cântico é conhecido como Benedictus, pois esta é a primeira palavra do louvor de Zacarias no versículo 68 da versão em Latim da Vulgata: “Benedictus Deus Israhel quia visitavit et fecit redemptionem plebi suae ”.
Apesar da alegria contida pela mudez após o anúncio do anjo de que seria pai estar certamente presente nos seus lábios no momento em que pôde se expressar em palavras, foi a salvação que Deus estava preparando através do futuro ministério de seu filho que rompeu o silêncio de Zacarias. Antes de ser um cântico de ação de graças pelo dom da paternidade, o Benedictus é um cântico de louvor pela chegada do Filho de Deus a este mundo, Jesus Cristo, o tão aguardado Messias. João Batista, o filho que lhe nascera e estava sendo circuncidado era o profeta que quebraria 400 anos de silêncio do período intertestamentário, e que, conforme prometido, viria “adiante do Senhor no espírito e poder de Elias” – Lucas 1.17. Ele foi o último profeta da antiga aliança, exatamente aquele profetizado por Isaías (40.3): “ Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus” , e preanunciado nos últimos versículos do Antigo Testamento em Malaquias 4.5-6: “ Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor; ele converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição” . Jesus confirma o ministério de João Batista em Lucas 7.27-28 e 16.16, respectivamente: “Este é aquele de quem está escrito: Eis aí envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho diante de ti”, e “A Lei e os Profetas vigoraram até João; desde esse tempo, vem sendo anunciado o evangelho do reino de Deus” . Para Zacarias, a alegria pela vinda de Cristo era maior do que a benção de se tornar pai em sua velhice.
Lucas também diz que o sacerdote Zacarias e sua esposa Isabel “eram justos diante de Deus, vivendo irrepreensivelmente em todos os preceitos e mandamentos do Senhor” – 1.6-7. Do relato que o médico e historiador faz em seu Evangelho dessa família, é recorrente que todos eram cheios do Espírito Santo. Na visita de Maria a Isabel, esta ficou possuída pelo Espírito Santo, “ e exclamou em alta voz: ‘Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre!’” – 1.42. A própria criança no ventre de Isabel estremeceu durante a visita da mãe de Jesus, e já era ali cheia do Espírito Santo – 1.15, 41. “E Zacarias, seu pai, cheio do Espírito Santo, profetizou, dizendo” o Benedictus – 1.57. Pessoas justas e cheias do Espírito Santo alegram-se na salvação que o Senhor provê em Cristo.
Zacarias, ainda, sabia que estava fazendo parte do cumprimento de um plano eterno de redenção, que começou a ser executado desde os tempos de Abraão (Lucas 1.73). Os planos soberanos de Deus estavam a se desenrolar diante de seus próprios olhos. Por isso, o sofrimento que lhe abateu durante toda sua vida pela ausência de um filho tornou-se em motivo de celebração, porque estava dentro do controle soberano do Senhor, que usara a esterilidade de sua esposa para preparar a vinda do Salvador ao mundo. A similaridade com a história de Abraão e Sara, que obtiveram o filho da promessa também em idade avançada, não é mera coincidência. Muitas vezes Deus opera de um modo que é impossível ao homem a fim de não deixar dúvidas de que é Ele quem está agindo. Assim, o cântico de um pai de primeira viagem tem algumas poucas frases sobre si mesmo e seu próprio filho, mas tem muita coisa a dizer sobre o Filho de Deus e Sua providência para a salvação de Israel, sendo totalmente centrado na pessoa de Cristo e na libertação que este trazia consigo ao Seu povo.
A partir daqui somos convidados a refletir. O que nos faz elevar um cântico de louvor como o que saiu da boca de Zacarias? O velho homem tinha seus sonhos terrenos. Mas o Benedictus revela que seu maior anseio era pela salvação de Deus para sua alma, para seu povo, e para o mundo todo. Ele sabia que mais importante que seus planos e desejos eram os propósitos eternos de Deus. Como bem expressou Bob Dylan na letra de sua música “When He Returns”, sobre a segunda vinda de Cristo: “De todo plano terreno que é conhecido ao homem, Ele está despreocupado… Ele tem planos próprios de estabelecer Seu trono… quando ele retornar”. Se anteriormente esperava-se pela primeira vinda do Messias, agora aguardamos pelo Seu retorno e pelo estabelecimento final de Seu trono. Podemos encontrar consolo, força, alegria e satisfação no fato de que nossas vidas estão sendo usadas para o desdobramento desse propósito.
Nenhum de nossos sofrimentos, anseios e esperanças que nos falham estão fora do controle soberano do nosso Deus. Mais importante, estão todos sendo usados para a glória dEle e para preparar a vinda de Seu Filho, quando novos céus e nova terra tornar-se-ão uma realidade, toda lágrima será enxugada e não haverá mais pranto nem dor.
Nenhum de nossos sofrimentos, anseios e esperanças que nos falham estão fora do controle soberano do nosso Deus.
As bênçãos e orações respondidas alegram-nos a alma. Porém, o que pode nos fazer cantar como Zacarias é a chegada do Salvador. Paulo diz em Romanos 8.18:
“Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós”.
No emaranhado de acontecimentos de nossas histórias pessoais, talvez nunca saberemos claramente nesta vida como Deus os usou para executar os seus planos. Às vezes, não entenderemos o silêncio de Deus para algumas de nossas orações. Sabemos, no entanto, que o maior silêncio de nossas almas já foi rompido, e como Zacarias podemos entoar um cântico de louvor ao nosso Deus: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo”.
Warton Hertz é formado em Teologia pelo Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos/SP. Mestre em Teologia e Ética pela Escola Superior de Teologia, em São Leopoldo/RS. Bacharel em Direito pela UniRitter, em Canoas/RS. Membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito e Religião. Hoje é Pastoral Resident em Chicago na Addison Street Community Church em conjunto com Neopolis Network e Holy Trinity Church.
FONTE https://coalizaopeloevangelho.org/article/o-natal-de-zacarias-benedictus-e-salvacao-que-rompe-o-silencio/