
No início de março, um vídeo de mau gosto viralizou nas redes sociais: nele, três jovens calouras de biomedicina de uma universidade de Bauru, no interior paulista, debocham de uma colega de curso pelo fato dela ter 44 anos.
“Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”, pergunta no vídeo uma das alunas, com uma expressão que chega a causar nojo no espectador, ao que a outra responde: “‘mano’, ela tem 40 anos já, era para estar aposentada”. A terceira garota ironiza e diz que a aluna mais velha “acha que o professor é o Google” e as três riem descaradamente.
Quase imediatamente outros colegas da universitária que foi vítima do deboche a homenagearam com flores e a apoiaram também nas redes sociais.
Esse tipo de preconceito é conhecido como etarismo, ageísmo ou idadismo, definido pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) como aquele que “surge quando a idade é usada para categorizar e dividir as pessoas por atributos que causam danos, desvantagens ou injustiças e minam a solidariedade intergeracional”.
Segundo o Ministério da Educação (MEC), dos cerca de 9 milhões de universitários no Brasil, 600 mil têm 40 anos ou mais, número que representa um aumento de 171,1% de estudantes nesse faixa etária entre 2012 e 2021. Já um levantamento do Instituto Semesp, entidade de mantenedores de ensino superior, indica que apenas 17,7% dos universitários tinham entre 18 e 24 anos em 2021.
Há décadas é comum pessoas que ingressam em cursos universitários depois dos 30 ou 40 anos – algumas delas, inclusive, para fazer a segunda ou a terceira graduação – por vários motivos que não a idade, como depois que os filhos já estejam menos dependentes, pela maior possibilidade de arcar com os custos do curso ou mesmo pelo desejo de continuar aprendendo.
Qual a importância de lidar com a diferença de idade em um país como o Brasil, que em 2030 terá mais pessoas acima de 60 anos do que crianças e adolescentes até 14 anos, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)? Para você a idade é um limitador para fazer algo ou realizar um sonho?
O problema não é a idade
Yuri Busin, psicólogo de São Paulo (SP), vai direto ao ponto: “não é a idade que impede ninguém de fazer algo. Na realidade, o maior impeditivo para todos nós vem de nossas próprias emoções, principalmente do medo. Ele traz ansiedade, receio de falhar, faz com que achemos que não temos como melhorar, vencer desafios ou aprender algo novo. O medo é uma emoção muito importante, mas, se permitirmos, ela tem o poder de nos paralisar”.
O limite etário é pessoal, segundo Yuri. Para ele, “não há idade exatamente certa para namorar, viajar, começar um novo curso, mudar sua crença religiosa e por aí afora. Sempre há como começar algo novo ou evoluir no que já se faz. Fico muito feliz quando vejo pessoas traçarem evoluções ao longo da vida, modelarem-se em cenários diferentes, deixarem que as ambições de aprendizado ocorram”.
Para Yuri, o preconceito ultrapassa os aspectos da idade: “o respeito ao próximo é algo que falta muito em nossa sociedade. As pessoas têm uma tendência de apontar muito o dedo para as outras e olhar pouco para si mesmas. Não têm empatia. É importante lidar com as diferenças de idade, pois há nisso o aprendizado entre várias gerações. Para isso, é só estar aberto a ouvir e a aprender com o outro, tenha ele quantos anos tiver. Todos têm experiências – e compreensão delas – diferentes, que se complementam. Isso agilizará o nosso caminho”.
Yuri lembra que a conexão entre pessoas mais jovens e mais velhas gera muitos aprendizados para ambas as partes. “E aqueles que são vítimas do etarismo devem entender que estão fazendo algo não pelos outros, mas por si mesmos. Não devem desistir, independentemente da idade, e continuar a própria evolução, não deixando que o medo e os obstáculos dominem”, completa.
Foi o que a mulher vítima de deboche fez. Ela confessou à imprensa que chegou a chorar, mas se manteve de pé com o apoio da maioria dos colegas e da própria faculdade, além de milhões de outras pessoas pelas redes sociais. Para ela, é vida que segue.
Quanto às três jovens etaristas, elas provavelmente demorarão mais a concluir seu curso – se é que vão fazê-lo. Depois da repercussão negativa da gravação, elas desistiram da faculdade. Além da vergonha pela atitude patética, elas agora estão pagando pelas consequências de seus atos. Se não sabiam como “desmatricular” alguém, descobriram por si mesmas.
Resta saber se as jovens serão facilmente aceitas em outras instituições de ensino brasileiras depois dessa mancha em seus currículos. Até quando uma parcela da juventude achará que pode dizer ou fazer o que quiser, nas redes ou fora delas, sem levar em conta o respeito pelo próximo e pelas instituições e regras sociais?
FONTE https://www.universal.org/noticias/post/a-idade-e-seu-limite/