O teólogo holandês Herman Bavinck aprimorou nosso entendimento a respeito do que significa ser feito à imagem de Deus ao enfatizar a totalidade. Bavinck argumentava que a totalidade da pessoa—corpo, alma e faculdades—representa a imagem de Deus, e não apenas uma única característica humana (como a racionalidade). E a plenitude dessa imagem não se encerra nesse aspecto. Somente a humanidade como um todo, espalhada por todos os lugares em todos os tempos, é a “imagem plenamente completa, a semelhança mais evidente e surpreendente de Deus”.
As percepções de Bavinck sobre a imagem de Deus lançam luz sobre o bem-estar humano individual e coletivo. Suas observações nos ajudam a discernir como socorrer nosso próximo na necessidade, seja na igreja ou na esfera pública. A doutrina do imago Dei nos dá uma visão para a verdadeira compaixão que chama a atenção para as necessidades da pessoa em sua totalidade no contexto comunitário.
Resposta Holística às Necessidades do Próximo
Ser feito à imagem do Deus triúno significa que somos relacionais. A compaixão verdadeira reconhece essa realidade ao buscar o florescimento da totalidade do indivíduo e ao buscar relacionamentos que nutram essa totalidade. Visto que a necessidade é relacional, nossa resposta a esta necessidade também deve ser. No entanto, a natureza relacional das necessidades das pessoas é algo que facilmente negligenciamos.
As necessidades materiais podem ser mais óbvias e urgentes, ofuscando problemas relacionais mais profundos. “Frequentemente pensamos que pessoas em necessidade são aquelas a quem faltam coisas materiais. Mas as pessoas são complexas,” escreve Chris Sicks. “Todas possuem necessidades emocionais, espirituais, relacionais e materiais. Ministrar enfocando somente uma necessidade e ignorar as demais demonstra menos compaixão e é menos efetivo.
Atender às necessidades materiais tende a ser mais simples. Preencher um cheque é mais rápido e mais fácil do que o trabalho longo e complicado de construir um relacionamento. Mas conforme Sicks deixa claro, o ministério de misericórdia é inescapavelmente relacional: “Um ministério real, incarnado, requer investimento—do nosso tempo, energia, da nossa presença, de nós mesmos. Sem estes investimentos não tornamos nosso amor, ou o amor de Deus, tangível”.
Relacionamentos estabelecem um contexto para ministérios de misericórdia que comunicam tanto através de palavras da verdade quanto por atos de amor. Negligenciar o ministério relacional nega àqueles que necessitam o presente mais singular que as igrejas podem compartilhar. No final das contas, a igreja é edificada sobre o relacionamento restaurado possibilitado pela obra reconciliadora de Cristo. Tendo recebido tamanha misericórdia, os cristãos necessitam agir evidenciando para o outro, a totalidade que resulta de relacionamentos restaurados—primeiro com Deus, depois consigo mesmo, com os outros e com o mundo material.
Visão Holística para a Vida Pública
Uma visão do florescimento holístico deveria moldar a abordagem cristã aos problemas da dignidade humana na esfera pública. No último século, nos Estados Unidos, as políticas públicas se tornaram mais voltadas às necessidades materiais, e as condições nos EUA melhoraram quando comparadas com milhões de pessoas em todo o mundo que não têm acesso ao sustento básico. Por este motivo devemos nos alegrar, mas não podemos ficar satisfeitos.
Ao passo em que as condições materiais melhoraram, as condições relacionais pioraram. A cada dez crianças, quatro nascem de mães solteiras, e os dados indicam que estas crianças apresentam riscos muito maiores de viver em situação de pobreza. Os índices de overdose e suicídio também aumentaram significativamente nas últimas duas décadas.
Relacionamentos danificados estão no centro de alguns dos desafios mais urgentes que indivíduos e comunidades enfrentam atualmente. Ao focarem nas necessidades materiais, legisladores não devem ignorar a importância dos relacionamentos para o florescimento humano.
Isso significa que os cristãos possuem um papel a desempenhar nas políticas públicas. Assim como Deus criou a totalidade da pessoa à sua imagem para florescer através do desenvolvimento espiritual, relacional e físico, ele projetou a criação para florescer através da mordomia inteligente da humanidade em suas muitas esferas.
Nossa vida cotidiana depende das competências de diversas esferas institucionais responsáveis. Família, igreja, governo, empresas e associações de amplo alcance, todas contribuem para o bem-estar humano. Todas desempenham um papel ao tratar das necessidades, e o testemunho da vida da igreja em particular necessita moldar as concepções dos legisladores sobre o alcance das possíveis respostas aos desafios da sociedade.
O que Sicks aponta sobre a cooperação entre os indivíduos também se mostra verdadeiro no âmbito institucional. Compartilhar os fardos é essencial para trazer todas as capacidades e expertise necessárias para suportar os desafios que prejudicam o florescimento humano.
Traduzido por Caroline Ferraz
Jennifer Patterson é palestrante em teologia pública e diretora do Institute of Theology and Public Life no Reformed Theological Seminary Washington.
FONTE https://coalizaopeloevangelho.org/article/a-verdadeira-compaixao-ama-a-pessoa-por-completo/



