
O Atlas da Violência 2023, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que avaliou a segurança entre 2011 e 2021, traz números alarmantes: 616.095 homicídios; 1.031.283 casos de agressões contra crianças e adolescentes; 326.532 jovens de 15 a 29 anos mortos; 49.005 mulheres assassinadas; 12.202 pessoas com necessidades especiais vítimas de violência física, psicológica ou sexual; entre outros dados preocupantes para um País conhecido pela alegria, pela resiliência e pelos gestos afetivos.
Afinal de contas, o que é violência? “Violência é o uso de força ou coação fora dos limites estabelecidos pela lei”, diz o advogado criminalista Fábio Chaim. Uma pesquisa da Atlas Intel revelou que 48% dos entrevistados consideram que a segurança pública piorou na atual gestão do Executivo e 60,8% acreditam que os principais problemas são o crescimento da criminalidade e o aumento do tráfico de drogas.
Paulo de Jesus, advogado e professor de direito penal, lembra que esse problema não é recente. “A população já não se sente segura há muito tempo. Nós não conseguimos dar uma volta no quarteirão sem nos sentirmos inseguros (…). Esse é o grave problema que enfrentamos porque você não pode falar em negócios, turismo e qualquer outro segmento importante da nossa sociedade sem que haja segurança. E a criminalidade e o tráfico de drogas têm sido problemas que merecem nossa atenção e merecem ser solucionados da maneira mais rápida possível”, explica.
Manchetes diárias
Todos os dias somos bombardeados por notícias exacerbando a violência, tanto de pesquisas que constatam o aumento da criminalidade quanto sobre casos explícitos.
A violência contra a mulher estampa jornais e é exposta nas redes sociais com frequência e a décima edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher revela que 74% das brasileiras notaram um aumento nos casos de violência doméstica e familiar ao longo do último ano. Outro local que se tornou cenário de violência foi a escola e, por conta dos atentados praticados nelas nos últimos meses, 90% dos brasileiros passaram a temer que os filhos ou pessoas próximas sofram algum tipo de violência enquanto estudam, de acordo com uma pesquisa do DataSenado. “Todos os ambientes da nossa sociedade, infelizmente, estão contaminados com esse medo que sentimos de andarmos na rua e de convivermos em sociedade”, comenta Paulo de Jesus.
Responsabilidade e (des)confiança
“A Polícia Militar cuida do policiamento ostensivo; a Polícia Civil cuida da investigação criminal; a Polícia Penal cuida da segurança dos estabelecimentos penitenciários; e, por fim, diversos órgãos do Poder Executivo (ministérios e secretarias) cuidam da elaboração de políticas públicas”, conta Chaim, abordando os órgãos que atuam diariamente na segurança pública.
Um levantamento do Instituto Opinião, porém, mostra que 47,7% confiam pouco e 14,7% não confiam na Polícia Civil; enquanto 48,9% confiam pouco e 15,5% não confiam na Polícia Militar. Essa infeliz falta de confiança ocorre por diversos fatores. Recentemente, por exemplo, veículos de comunicação divulgaram que o Exército e a Polícia Civil do Rio de Janeiro teriam negociado com o crime organizado para reaver armamento furtado de um quartel. Os órgãos de segurança negaram a informação, mas a divulgação da matéria contribuiu para abalar ainda mais essa confiança.
Maus profissionais, infelizmente, existem em todas as carreiras, mas essa denúncia traz nas entrelinhas um detalhe perigoso e Paulo de Jesus faz um alerta: “não existe vácuo de poder. Onde o Estado não tem uma atitude proativa, alguém vai ocupar esse lugar. Considero bastante equivocada uma negociação entre o Estado e o estado paralelo, porque a partir do momento que você estabelece uma conexão, um diálogo, uma cooperação, você passa a reconhecer que aquele ente detém um poder dentro de um determinado espaço”.
Vamos começar a acertar?
Outros erros são o fato de a sociedade, por vezes, considerar a violência como um mecanismo legítimo para a solução de conflitos, a incapacidade do sistema prisional em reeducar e ressocializar quem cumpre pena, a falha em investir nas polícias com equipamento técnico de qualidade e melhores remunerações. Paulo de Jesus acrescenta que “estamos errando quando não atualizamos a legislação, já que nosso Código Penal é de 1940, com legislações extravagantes. Então, por mais que tenhamos pontuado algumas alterações, a espinha dorsal da legislação penal brasileira está desatualizada e precisa de uma visão mais moderna”.
“A solução para este problema passa pela efetivação dos direitos e garantias contidos em nossa Constituição, por meio de políticas públicas e diretamente pela sociedade civil”, destaca Chaim. Paulo de Jesus acrescenta: “fundamentalmente, a sociedade também tem responsabilidade em conjunto com os órgãos públicos para diminuir a violência no Brasil. (…). A sociedade, por exemplo, tem que enxergar as polícias como aliadas no combate à criminalidade e não como bandidos e não adquirir produtos sem procedência e possivelmente oriundos de crime”.
Há ainda outro papel essencial da sociedade: eleger bons políticos para o Executivo e para o Legislativo.Vale lembrar que essas duas Casas escolhem os membros do Superior Tribunal Federal, órgão que representa a instância máxima do Judiciário e, portanto, esses ministros também são eleitos pelo povo, ainda que indiretamente. É preciso fiscalizar todos eles, afinal, compete a todas as esferas do governo garantir tanto a legislação quanto o amparo necessário aos órgãos públicos que atuam em prol da segurança pública.
Outra necessidade para melhorar o cenário é pensar em segurança pública também a médio e longo prazo. Um estudo realizado em 2022 pela Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Instituto Natura, revelou que o ensino em tempo integral reduz a criminalidade, inclusive diminuindo drasticamente a taxa de homicídios. Além disso, aumenta a empregabilidade, dá oportunidade de ganhar maiores salários quando o estudante chega à vida adulta e reduz a desigualdade social na comunidade. Esse é apenas um dos muitos estudos que apontam que investir em educação de boa qualidade – do ensino infantil ao superior – é fundamental para diminuir a violência. Além disso, também é necessário oferecer à população acesso a cultura, lazer, saúde e renda digna. Esses são investimentos em políticas públicas que darão resultado anos depois que forem feitos, mas que não podem ser deixados de lado.
A segurança pública não é apenas um direito, mas um dever de todos. Devemos nos unir no combate à violência denunciando crimes, confiando nos agentes de segurança e elegendo bons políticos para que eles elaborem boas leis para penalizar e coibir eficientemente os delitos.
fonte https://www.universal.org/noticias/post/em-que-estamos-errando/



