s altos índices de evasão escolar registrados nos últimos anos mostram que o direito à educação, assegurado pela Constituição Federal, não ocorre tão bem na prática como determina a Carta Magna. Segundo o Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), 2 milhões de jovens de 11 a 19 anos que ainda não tinham terminado a educação básica deixaram a escola em 2022. Outra pesquisa realizada em maio deste ano pelo Serviço Social da Indústria e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Sesi/Senai) aponta que apenas 15% dos brasileiros acima dos 16 anos estão matriculados em alguma instituição de ensino. Entre os que não estudam, 57% não tiveram condições de continuar a estudar por diversos motivos, como ter que trabalhar para ajudar a família ou em razão de gravidez precoce.
Para José Francisco Aparecido, doutor em educação, pesquisador e consultor pedagógico do programa De Criança Para Criança (que busca desenvolver a leitura, a oralidade, a criatividade e a experiência colaborativa entre as crianças), não se trata de uma crise nova nem somente nacional. “Esse fenômeno ocorre também em países desenvolvidos, tanto nos Estados Unidos como na Europa, com exceção de Portugal que nos últimos anos conseguiu reduzir a taxa de abandono escolar de 14% para menos de 6%, enquanto no total europeu a margem é de cerca de 10% de evasão.”
A pandemia também contribuiu para o aumento da evasão escolar. “O período que vivenciamos propiciou esse avanço negativo. A falta de acesso à internet ou escolas despreparadas para o ensino remoto colaboraram significativamente para o desinteresse dos estudantes de retornar às escolas. Além disso, há outros fatores, desde a falta de investimento em capacitação do corpo docente até de infraestrutura das escolas”, analisa Aparecido.
Para Nathalia de Paula, psicanalista, educadora parental, cofundadora e diretora administrativa do Lumina Instituto Educacional, em São Paulo, fatores econômicos, sociais e culturais também contribuem para a alta evasão. “A pobreza, o acesso inadequado à educação de qualidade, a violência nas escolas e nos bairros, questões familiares e a necessidade de trabalho infantil são alguns fatores que levam os estudantes a abandonar a escola”, afirma.
Métodos de ensino ineficazes ou currículos inadequados também podem desmotivar os alunos e levá-los a deixar de estudar. “A escassez de recursos educacionais, como livros didáticos, materiais de aprendizagem ou infraestrutura precária, também prejudica o processo de ensino-aprendizagem. A gravidez na adolescência é outro fator decisivo. A chegada de um filho impõe responsabilidades, pode estigmatizar a jovem, gerar dificuldades econômicas e criar obstáculos logísticos que dificultam a continuidade dos estudos”, explica Nathalia.
Aparecido também avalia que a escola não é mais o único local de conhecimento e formação. “Você não precisa ir à escola para aprender como não precisa ficar horas em uma biblioteca para fazer um trabalho escolar. As informações e conteúdos estão nas ‘nuvens’ à disposição de todos que tenham acesso à internet. O professor precisa entender isso e que seu papel mudou no sentido de que o que há em seus livros não é mais um elemento surpresa para os alunos. Ciente disso, o professor atual necessita de novas metodologias e uma nova postura enquanto profissional da educação. E o aluno participante de todo processo precisa descobrir o seu protagonismo enquanto estudante”, esclarece.
Para Lígia Fleury, psicopedagoga, educadora parental da Juntos Educação Parental, diretora de escola e gestora da rede @ligiafleury.planetaletra, há diversos desafios: “os alunos não veem mais o professor como alguém que merece respeito. Manter a disciplina, fazer-se respeitar e manter os jovens motivados são enormes desafios. Contudo é preciso fazê-los entender que o conhecimento é porta de entrada para o sucesso na vida e que cada um constrói o próprio conhecimento”.
Para ela, o uso do celular também é importante. “O professor que o utiliza como meio de aprendizagem, para pesquisa, por exemplo, torna a aula mais atraente e motiva o aluno a estar presente na escola, porque aprender passa a ser prazeroso. O ensino também não pode ser apenas algo técnico, pois assim não desafia o pensar; é como ligar o automático. A necessidade de desenvolver a criticidade está imbuída no professor que acredita, de fato, na importância da educação, portanto, investir na formação do professor e oferecer condições de aprendizagem são caminhos para o pensar”, opina.
Aparecido avalia ainda que a solução da alta evasão escolar passa por investimentos públicos eficazes e realistas que tenham como base a resposta para alguns questionamentos: “se a criança não está frequentando a escola, onde ela está neste período e por quê? A escola tem sido um local seguro, acolhedor e motivador? Precisamos definir primeiro o que é trabalho infantil e o trabalho por necessidade. Sabemos que existe exploração, mas também estamos cientes da necessidade imediata de milhares de famílias nas quais a fonte de renda é composta pelo trabalho de todos familiares para sobreviver. Não temos como ignorar esta questão”, conclui.
fon tge https://www.universal.org/noticias/post/mais-de-2-milhoes-de-jovens-abandonaram-a-escola-no-ano-passado/