O que Sansão Estava Fazendo Com uma Prostituta em Gaza?

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De todos os juízes do livro de Juízes, Sansão talvez seja o mais famoso. Quem pode esquecer seu nascimento milagroso, cabelos compridos, feitos de grande força e, mais notoriamente, seu relacionamento com Dalila?

A maioria de nós gosta de Sansão porque podemos nos identificar com ele. Sansão era um pecador e eu sou pecador. Se Deus pode usar Sansão, então certamente Deus pode me usar. De fato, provavelmente somos atraídos por uma figura como Sansão porque cremos que Sansão pecou de maneiras maiores do que a maioria de nós. Portanto, se Deus pode amar e usar alguém tão “pecador” quanto Sansão, então talvez Deus possa amar e usar alguém como você e eu.

No entanto, me pergunto se este tipo de interpretação está correto. Será que estas narrativas bíblicas existem apenas para nos fazer nos sentir melhor sobre nós mesmos, ou há algo mais nesta história? O autor do livro de Hebreus incluiu Sansão na “Galeria da Fé” (Hb 11.32) por causa de seu valor para nossa auto-estima ou por causa da execução fiel de seu ofício como juiz — “os quais, por meio da fé, subjugaram reinos, praticaram a justiça, obtiveram promessas” (Hb 11.33)?

Gaza em Contexto
Para demonstrar meu ponto, vamos considerar sua noite com uma prostituta em Jz 16.1-3. Nesse curto relato, Sansão viaja para Gaza, passa metade da noite com uma prostituta, rouba as portas da cidade e viaja com elas nas costas por cerca de 64 km até a região de Hebrom. Trata-se de uma noite de paixão frustrada culminando em um ato de raiva como a maioria dos comentaristas sugere? Pode ser, mas provavelmente não.

A história de Sansão começa com o nascimento miraculoso através de uma mãe estéril e termina com sua morte em um templo filisteu. A visita à prostituta em Gaza nos apresenta a segunda parte de sua vida e seu conhecido encontro com a famigerada Dalila. Portanto, não é por acaso que lemos que Sansão visitou uma prostituta em Gaza em Jz 16.1-3. Esta é a mesma cidade filisteia à qual ele será levado cativo (Jz 16.21), e a mesma cidade na qual ele matará mais filisteus em sua morte do que em sua vida (Jz 16.30). Em outras palavras, Juízes 16 trata da derrocada da fortaleza filisteia em Gaza por Sansão, através de suas associações com duas mulheres de caráter questionável.

Como, então, este episódio com uma prostituta em Juízes 16.1-3 nos prepara para o resto do capítulo? O que Sansão estava fazendo com uma prostituta em Gaza? E Sansão teve relações sexuais com aquela prostituta?

Sansão Teve Relações Sexuais com aquela Prostituta?
Vamos começar com a segunda pergunta. Será que Sansão se envolveu em atividade sexual ilícita com uma prostituta em Gaza? A maioria dos comentaristas responde “sim” a esta questão, e a maioria das traduções deixa poucas dúvidas em nossas mentes.

No entanto, o texto hebraico não exige necessariamente que Sansão tenha se envolvido neste tipo de atividade. O versículo 1 afirma que “Sansão foi a Gaza, e viu ali uma prostituta, e coabitou com ela”. A última parte deste verso, “e coabitou com ela”, é traduzida de várias maneiras diferentes. Por exemplo, a NVI traduz o hebraico como “e passou a noite com ela”. A ACF vai além, traduzindo “e entrou a ela”. Estas traduções eufemísticas insinuam que Sansão fez sexo com a prostituta.

Tais representações são certamente possíveis, e esta expressão realmente constitui uma das maneiras pelas quais a língua hebraica pode se referir à atividade sexual (ver Gn 38.18; Ez 23.44; 2Sm 12.24). Esta expressão, no entanto, nem sempre carrega a nuance da insinuação sexual. Talvez o melhor exemplo apareça anteriormente no livro de Juízes, em Jz 4.22, onde Baraque entra na tenda de Jael em busca de Sísera. Exatamente a mesma expressão que aparece em Jz 16.1 também aparece aqui em Jz 4.22. Mas desta vez, observe como as traduções lidam com o texto. A NVI traduz a expressão “E entrando ele na tenda…”, e a ARA traduz a mesma expressão como “E ele a seguiu”.

Fica claro, a partir destes exemplos, que as várias versões estão traduzindo a mesma expressão de maneiras diferentes, dependendo do contexto. O texto dos Juízes 16 é traduzido com insinuações sexuais por causa da presença de uma prostituta e aquilo que nos foi ensinado a esperar de Sansão. Em Juízes 4, no entanto, a relação entre Baraque e Jael não parece justificar tal interpretação. O papel significativo do contexto tanto para a tradução quanto para a interpretação agora nos leva a fazer a segunda pergunta.

O Que Sansão Estava Fazendo Lá?
O que Sansão estava fazendo com uma prostituta em Gaza? Para a maioria de nós, esta pode parecer uma pergunta ingênua. Não é óbvio? Mas vamos pensar por outra perspectiva. Se alguém estivesse viajando no mundo antigo, poderia ter parado à noite em uma cidade no caminho de seu destino final. Ao entrar na cidade, esta pessoa se sentava na praça da cidade e, se tivesse sorte, um ancião ou outro cidadão honesto o convidaria para ficar com ele à noite (ver Jz 19.11-21). Desta maneira, sua presença e seu propósito para a visita ficariam imediatamente claros. Se, no entanto, alguém quisesse entrar em uma cidade sem ser detectado, uma boa estratégia seria ficar com uma prostituta para mascarar sua verdadeira intenção.

Se você acha que este ponto seja forçar a barra, considere Jz 2. Quando Josué enviou dois espiões para espiar Jericó, onde é que os espiões ficaram? Eles ficaram com Raabe, a prostituta. Existem, de fato, vários elementos que conectam as atividades dos espiões em Jericó com aquilo que Sansão estava fazendo em Gaza. Primeiro, a designação para uma mulher prostituta é a mesma tanto em Jz 2.1 quanto em Jz 16.1. Segundo, em ambos os relatos, os homens “entram” e ficam com a prostituta (mesmos verbos). Mas observe que ninguém jamais suspeita que os espiões de Josué 2 tenham se envolvido em atividades sexuais ilícitas. No entanto, todos nós suspeitamos que foi isto exatamente o que Sansão fez.

Terceiro, os habitantes tanto de Jericó quanto de Gaza descobrem a presença e a intenção dos visitantes estrangeiros e planejam sua morte (Js 2.2; Jz 16.2) E por último tanto os espiões, quanto Sansão escapam da cidade de maneira dramática e memorável. Os espiões foram escondidos por Raabe e escaparam pela janela durante a noite (Js 2.15). Sansão também escapou durante a noite e levou consigo as folhas da porta da cidade (Jz 16.3).

Josué, Gaza e a Promessa da Conquista
Esta comparação de Josué 2 com Juízes 16 e a relação que emerge, sugere que a noite de Sansão com uma prostituta em Gaza é a maneira do autor nos preparar para a eventual destruição daquela cidade mais adiante no capítulo. Sabemos que os dois homens israelitas ficaram com uma prostituta em Jericó para espionar a cidade antes de destruí-la. Dado o contexto mais amplo de Juízes 16, Sansão parece estar fazendo a mesma coisa em Gaza. É também por isso que o autor do livro de Juízes teve o cuidado de registrar que quando Sansão deixou Gaza, ele levou as portas da cidade com ele.

No mundo antigo da Bíblia, as portas de uma cidade eram cruciais para sua defesa. Sua destruição simbolizava a destruição da cidade. Lembre-se do lamento da queda de Jerusalém em Lm 2.9 — “As suas portas caíram por terra; ele quebrou e despedaçou os seus ferrolhos;” (veja também Jr 51.30; Am 1.5).

Mas esta não é toda a história. O significado real das portas neste texto é que Deus, através de Sansão, continua a ser fiel às promessas que fez aos Patriarcas. Para Abraão, em Gn 22.17 (ARC), Deus promete: “e a tua semente possuirá a porta dos seus inimigos.” (veja também Gn 24.60). Nesse texto, portanto, Sansão é uma figura da fidelidade de Deus para com povo de sua aliança para fazer por eles o que eles repetidamente deixam de fazer por si mesmos — para possuir a terra e todas as boas promessas de Deus.

Sansão na História Bíblica Mais Ampla
Não parece razoável pensar nos eventos de Jz 16.1-3 como um caso de uma noite na vida e aventuras de Sansão. Qual seria o ponto? Pelo contrário, vemos Deus, operando contra a maré de desobediência de Israel para cumprir suas promessas. Sansão vai a Gaza para fazer o que Israel estava deixando de fazer: possuir a terra e eliminar seus habitantes pagãos. Tal como todos os juízes, Sansão nos prepara para a vinda de um rei.

De fato, pode se que nos surpreendamos ao saber que Sansão é considerado tipologicamente como o João Batista do Rei Davi. Há uma série de características que conectam Sansão e João Batista. Ambos nascem de pais mais velhos e estéreis (narrativas significativas de nascimento), ambos são nazireus por toda a vida (os dois únicos na Bíblia), e ambos são traídos para a morte por mulheres pouco virtuosas. Mais importante, no entanto, ambos os homens preparam a chegada de um grande rei. Sansão começou a batalha final com os filisteus, mas foi Davi em 1 Samuel 17 quem matou seu campeão e finalmente eliminou a ameaça dos filisteus na terra prometida.

Se, no entanto, olhamos para Sansão e vermos apenas a nós mesmos, perdemos alguma coisa. Se olharmos para Sansão e nos deliciarmos com o que erroneamente pensamos serem suas deficiências, então entenderemos mal o texto. Com Sansão, Deus não repara minha auto-estima culturalmente deflacionada. Pelo contrário, Deus mostra-me a beleza do seu reino e demonstra que posso crer em suas promessas e, tal como Sansão, “obter superior ressurreição” (Hb 11.35) e, assim, “ser aperfeiçoado” (Hb 11.40).

Traduzido por Mauro Abner.

 

Miles Van Pelt é Alan Belcher Professor de Antigo Testamento e Línguas Bíblicas e reitor acadêmico no Seminário Teológico Reformado em Jackson, Mississippi, EUA. Ele publicou extensivamente na área de ensino da língua hebraica e aramaica, inclusive atuando como co-autor do “Basics of Biblical Hebrew” [O Básico do Hebraico Bíblico]. Ele também atua no corpo pastoral da Grace Reformed Church em Madison, Mississippi, EUA.

fonte https://coalizaopeloevangelho.org/article/o-que-sansao-estava-fazendo-com-uma-prostituta-em-gaza/

 


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