Se há algo que as pessoas sabem sobre Jesus, é que Ele era um talentoso contador de histórias. As parábolas de Jesus têm a notável capacidade de despertar nossa imaginação e desafiar nossas pressuposições. Jesus não ensinava por parábolas para nos dar uma noção abrangente da maneira como compreender Deus, a nós mesmos e às outras pessoas. Ele ensinava por parábolas para nos convidar a reexaminar algumas das nossas mais estimadas convicções sobre assuntos de importância eterna. Por essa razão, as parábolas de Jesus são frequentemente inquietantes, ao invés de tranquilizadoras.
A parábola de Jesus sobre as bodas de casamento é exatamente assim.
As Bodas
Esta parábola é, como as outras, sobre o Reino dos Céus. Conta a história de um rei que deu um banquete de casamento para seu filho (Mt 22.2). Bodas de casamento tem importância significativa na Bíblia. Em última análise, é o dia em que Deus reunirá todos os seus redimidos e eles desfrutarão de sua presença em completa santidade e alegria.
Ao mandado do rei, os convites para o banquete sāo distribuídos. Os servos do rei são “enviados… a chamar os convidados para as bodas; mas estes não quiseram vir.” (Mt 22.3) Eles oferecem uma série de desculpas e maltratam os servos, então o rei os castiga (Mt 22.5-7). O rei então despacha seus servos: “Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas a quantos encontrardes” (Mt 22.9).
Jesus está descrevendo aqui a oferta do Evangelho, primeiro aos judeus e depois aos gentios. A nação judaica havia rejeitado decisivamente a oferta que Deus lhes fez através de seus profetas. Por tal rejeição, Jesus anunciou o julgamento que Deus iria trazer — a destruição de Jerusalém pelos exércitos romanos em 70 d.C. Mas na providência de Deus, essa rejeição é a ocasião em que o Evangelho é estendido aos gentios. O resultado é que “a sala do banquete ficou repleta de convidados” (Mt 22.10).
Mas então algo inesperado acontece.
O rei se junta a seus convidados e descobre “um homem que não trazia veste nupcial” (Mt 22.11). O homem não consegue explicar porque está sem veste. Em um ato de julgamento escatológico, o rei ordena a seus servos: “Amarrai-o de pés e mãos e lançai-o para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes” (Mt 22.13). Jesus termina sua história, pronunciando o aforismo que resume o significado da parábola: “Porque muitos são chamados, mas poucos, escolhidos” (Mt 22.14).
O Chamado
Entender esta declaração concisa de encerramento é entender a parábola como um todo. O que Jesus quis dizer com “Porque muitos são chamados, mas poucos, escolhidos”? Para responder, necessitamos entender o que Jesus quer dizer aqui por “chamados” e “escolhidos”. A palavra “chamado” permeia a parábola. O texto em grego diz que os servos “chamam aqueles que foram chamados para as bodas” (Mt 22.3). Os convidados judeus são os “chamados” (cf. Mt 22.4, 8). Os servos são então ordenados a “chamar” os gentios (22.9). A palavra traduzida como “chamado” no versículo 14 pertence à mesma família da palavra traduzida como “chamado” nos versos 3, 4, 8 e 9.
Esse padrão nos ajuda a entender a natureza do chamado nesta parábola. É a convocação ou convite de Deus por meio de seus servos — profetas no Antigo Testamento, ministros no Novo Testamento. Esse chamado conclama os ouvintes a se arrependerem e crerem nas boas novas que os servos proclamam. É possível recusar, como muitos judeus fizeram. Jesus ensina que aqueles que recusam o chamado são culpados por recusá-lo.
Mas também é possível responder a este chamado de maneira não salvadora. O homem sem a veste nupcial em 22.12 presumivelmente respondeu ao convite. Mas sua falta de vestimenta prova que ele não faz parte das bodas, e é justamente banido. Qual é a “veste nupcial”? Provavelmente retrata o dom da salvação oferecido gratuitamente no Evangelho. Somente aqueles que receberem esta dádiva estarão assentados no banquete de casamento do Cordeiro na consumação de todas as coisas.
Os Escolhidos
Quem são aqueles que sinceramente respondem ao chamado e recebem a Cristo pela fé? Jesus os chama de “escolhidos” ou, como a palavra grega pode ser traduzida, os eleitos. Estes são todos aqueles que o Pai escolheu em Cristo desde antes da fundação do mundo para serem santos e irrepreensíveis perante Ele (Ef 1.4). Somente estes escolhidos constituirão a comitiva dos redimidos quando Cristo retornar em glória. A escolha eterna de Deus garante que eles responderão sinceramente ao chamado.
Visto que o Novo Testamento, em outros lugares, une chamado à eleição (ver 2 Tm 1.9; Rm 8.30), o que Jesus quer dizer quando afirma que há alguns que são chamados mas não escolhidos?
A resposta está em uma distinção necessária para entender o modo como os escritores bíblicos se referem a “chamado”. Nesta parábola, Jesus fala de “chamar” em um sentido externo. É a intimação de Deus através da mensagem do Evangelho. Este chamado convida homens e mulheres a virem a Cristo por meio do arrependimento e da fé.
Em outros lugares, os escritores bíblicos falam de “chamar” em um sentido interno. Por exemplo, Paulo fala desse chamado interno em 1 Coríntios 1.24 — essa é a obra salvadora e eficaz do Espírito de Cristo em conjunção com o chamado exterior do Evangelho. Esse chamado interno, poderosa e eficazmente, converte o pecador de seu pecado a Jesus Cristo. O chamado externo é para todas as pessoas. Mas somente os eleitos irão, no tempo de Deus, receber o chamado interno. Para eles, o Evangelho é, de fato, “o poder de Deus para a salvação” (Rm 1.16).
O Que Isso Nos Ensina?
Quais são as principais lições que Jesus tem para nós nesta parábola surpreendente e inquietante?
Primeiro, não é uma coisa pequena recusar a intimação de Deus através de seus mensageiros. No Dia do Julgamento, Deus irá responsabilizar aqueles que recusarem essa convocação. Em segundo lugar, Jesus quer que percebamos que há uma maneira mais sutil de recusar a convocação. Pode-se responder da boca para fora ao chamado externo, mas nunca abraçar verdadeiramente a Jesus como é oferecido naquele chamado. Até mesmo esta recusa nos sujeita ao julgamento justo de Deus.
As más novas são que não temos poder em nós mesmos para mudar nossos corações rebeldes. As boas novas são que Deus se agrada em mudar os corações rebeldes pelo poder invencível do seu Espírito.
Se respondemos ao chamado externo em arrependimento e fé, é somente porque Deus primeiro esteve em ação em nós para nos voltar a ele mesmo em Cristo. A salvação é verdadeiramente somente pela Graça. Esta verdade é inquietante, mas Jesus nos inquieta por um motivo. Ele quer que encontremos salvação e vida somente nEle, somente pela Graça. E somente em Cristo podemos encontrar um fundamento eterno e inabalável.
Traduzido por Victor San.
Guy Waters (PhD, Universidade de Duke) é Professor James M. Baird, Jr. de Novo Testamento no Seminário Teológico Reformado em Jackson, Mississippi, EUA. É autor de inúmeros livros, incluindo “What Is the Bible?” [O Que é a Bíblia?]. (P&R, 2013), “A Christian Pocket Guide to Justification: Being Made Right with God” [Guia de Bolso Cristão da Justificação: Ser Justificado Por Deus? (Christian Focus, 2010) e “How Jesus Runs the Church” [Como Jesus Lidera a Igreja] (P&R, 2011).
fonte https://coalizaopeloevangelho.org/article/o-que-jesus-quis-dizer-com-muitos-sao-chamados-mas-poucos-escolhidos/