Não Banalize Deus com seu Linguajar

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Muitos de nós temos um hábito desagradável—banalizamos Deus.

A ironia é que isso surge de bons propósitos.

Desejamos conhecer Deus e até mesmo ter um relacionamento com ele. Assim sendo, avaliamos nossa experiência humana não apenas para ver se estamos voltados em direção a Deus, mas também para verificar se Deus está inserido nela. Esse motivo pode ser correto e bom, mas, se não formos cuidadosos, podemos supor que o que é verdadeiro em nossa experiência humana deve também necessariamente ser verdade sobre Deus, o Criador.

Por que fazemos isso? Provavelmente, jamais admitiremos que muitas vezes presumimos que Deus é apenas uma versão maior e melhor de nós mesmos. Se temos amor, ele só tem mais; se temos poder, ele só tem mais; se temos conhecimento, ele só tem mais. Essa é a tão comum síndrome de super-heróis. Nessa mentalidade, a diferença entre nós e Deus é meramente quantitativa.

Embora comum, essa tendência está crassamente equivocada. Deus não é uma versão maior e melhor de nós—isso simplesmente cria um Deus à nossa própria imagem, algo que as Escrituras chamam de idolatria. O Deus da Bíblia, por outro lado, é um tipo de ser completamente diferente; na verdade, ele é o próprio Ser (ou o Ser absoluto, como os pais da igreja primitiva gostavam de dizer). Não há ninguém como ele. Ele está em uma categoria própria. A diferença, então, não é meramente quantitativa; é qualitativa. Como disse o teólogo medieval Anselmo, Deus é alguém de quem nāo se pode conceber alguém maior. Ele é o Ser Perfeito.

Por que isso é assim?

Incompreensibilidade Infinita
Deus é o Ser Perfeito porque ele não é meramente ilimitado em tamanho, mas também infinito em essência. Enquanto nós somos criaturas finitas, cerceadas por limitações ilimitadas, Deus não tem nenhuma limitação. Sua essência é inestimável, incomensurável, insondável. Ou, para colocar de forma positiva, Deus é seus atributos em medida infinita (Sl 147.5).

Portanto, isto significa que todas e quaisquer coisas que limitariam Deus—mudanças, oscilações emocionais, partes divisíveis, dependência de outros, sucessão de momentos, restrição a um local, falta de conhecimento, sabedoria ou poder—não podem ser verdades sobre ele, pois, do contrário, ele não seria mais o Ser perfeito e infinito. Mas isso também significa, mais fundamentalmente, que nosso Deus é incompreensível. Se ele é infinito, então ele não pode ser conhecido exaustivamente por nossas mentes finitas. Mesmo Moisés—provavelmente o mortal que mais se aproximou de abordar o Criador imortal—não podia ver a glória de Deus e viver (Êx 33.18, 20).

O povo de Israel penou para aprender isso. Correram atrás dos deuses das nações, deuses que podiam ver, tocar e manipular, deuses que até mesmo, poderiam criar com suas próprias mãos (Is 40.19-23). Com o Senhor, porém, não é assim; ele é o “eterno Deus” cujo entendimento “não se pode esquadrinhar” (Is 40.28). Ele é inefável. Assim que achar que compreendeu tudo sobre Deus, pense novamente, pois não é Deus que você está compreendendo. Pois “o infinito não pode ser contido no finito”, observou Tomás de Aquino. “Deus existe infinitamente, e nada finito pode compreendê-lo infinitamente”.

Repensando Nosso Linguajar Sobre Deus
O que essa distância infinita entre finito e infinito significa sobre nosso conhecimento de Deus? Significa que a maneira de buscá-lo não é fingindo que podemos capturar sua essência. Ao invés disso, nós o conhecemos de acordo com suas obras reveladas.

Se conhecemos alguma coisa sobre Deus, é somente por ele nos te-lo revelado. É somente por ele—para usar uma frase de João Calvino—ter se abaixado tanto, a fim de balbuciar para nós, da mesma forma que uma babá o faz com um recém-nascido. Aqueles que foram desensoberbecidos por Sua incompreensibilidade reconhecem esta verdade: a revelação é um dom.

Como isto deve afetar nosso linguajar a respeito de Deus? Se ele é o Criador infinito, e nós criaturas finitas, então nosso conhecimento dele—até mesmo nosso linguajar sobre ele—não pode ser unívoco, como se soubéssemos as coisas exatamente como Deus as conhece. Isso é impossível. Em vez disso, nosso conhecimento de Deus e nosso linguajar a Seu respeito sempre será analógico. Em outras palavras, algo pode compartilhar semelhanças com outra coisa, mesmo que não sejam idênticas.

Isso não deveria nos surpreender. Não somos Deus, mas fomos criados à sua imagem, projetados para refleti-lo de alguma forma. Nossa composição é analógica por natureza. O mesmo acontece com nosso linguajar. Embora nossas palavras finitas não esgotem a glória de nosso Criador em e de si mesmo (unívoco), elas podem dizer algo verdadeiro sobre ele, mesmo que em parte (analógico). Não apenas vemos “obscuramente” através de um “espelho” (1Co 13.12), como também gaguejamos obtusamente buscando, ecoar as “alturas de Deus o melhor que podemos” (Gregório, o Grande).

Como aplicar isto na prática?
1. Compreenda Quem Deus Não É
Primeiramente, necessitamos entender quem Deus é, refletindo sobre o que ele não é. Já percebeu como certos atributos—atributos que protegem o ser incomunicável de Deus—fazem exatamente isso? Somos criaturas finitas e, portanto, mudamos (bem ou mal); somos mutáveis. Deus não. Ele não muda; ele é imutável. Somos criaturas finitas e, portanto, oscilamos emocionalmente; somos passiveis (sujeitos a paixões). Deus não. Ele não conhece oscilações emocionais; ele é impassível (não é sujeito a paixões). Somos criaturas finitas e, portanto, dependemos de Deus para nossa existência e satisfação. Deus não. Ele não depende de ninguém; ele é um Deus de asseidade—autoexistente e autossuficiente.

Nosso linguajar a respeito de Deus se aperfeiçoará se deixarmos de atribuir limitações a Deus, expondo primeiramente, o que ele não é. Mesmo quando encontramos nas Escrituras atributos divinos que são comunicáveis—refletidos em nós criaturas, de alguma forma menor—há que lembrar sempre de que eles são verdade a respeito de Deus de uma forma que nāo é verdadeira para nós. Podemos amar, mas Deus é amor, e ele é amor em medida infinita. Podemos nos tornar santos, mas Deus é santo, eterna e imutavelmente; ele é santo em medida infinita.

2. Não Leia “Literalisticamente”
Em segundo lugar, isso significa que devemos ler as Escrituras para entender o que é literalmente verdadeiro sem ler as Escrituras “literalisticamente”. Possivelmente não tenha notado, mas já o fazemos. Quando as Escrituras dizem que Deus tem olhos, mãos ou ouvidos, naturalmente presumimos que se refere a algo analógico. Quando Davi orou: “Guarda-me como a menina dos olhos” (Sl 17.8), não concluimos que Deus tem olhos físicos. Compreendemos que o Ser infinito não tem corpo; ele é espírito (Dt 4.12-16). Davi empregou uma linguagem antropomórfica, a qual usa características humanas não para atribuir corpo a Deus, mas para transmitir metaforicamente alguma verdade sobre ele. No Salmo 17.8, Davi está orando pelo amor inabalável de Deus, pela bênção da aliança. E que melhor maneira de orar por isso?

Compreendemos.
Curiosamente, não compreendemos isto quando lemos passagens que atribuem mudanças ou emoções humanas a Deus. Quando lemos que Deus “se arrepende”, nos perguntamos se Deus mudou de ideia ou cometeu um erro. Quando lemos que Deus “se lamenta”, presumimos que ele deve ser emocional e que sofre perda. Mas, assim como a linguagem antropomórfica utiliza características humanas, a linguagem antropopática faz uso das emoções humanas. Essas passagens não significam que Deus é um ser sujeito a paixões e emocional; sendo o Deus eterno e imutável, ele é impassível e, por ser vivo ao grau máximo, não pode se tornar seus atributos mais do que já é eternamente.

Por que, então, essa linguagem figurada é usada? Quando Deus disse que se arrependeu ter feito Saul rei (1Sm 15.11), por exemplo, o autor está buscando a palavra mais forte em nossa experiência humana para transmitir que o eterno, imutável e impassível Senhor agora julga Saul por sua traição; além disso, o plano que Deus sempre teve de levantar um rei segundo o seu próprio coração está agora em andamento (15.28). Tal como escrevi em “None Greater” [Nenhum Maior]: “Em vez de testemunhar uma mudança em Deus—e uma mudança emocional—estamos testemunhando os efeitos da vontade de Deus em Suas criaturas”.

Está claro que não há mudança em Deus quando Saul tenta implorar por um caminho de volta, como se ele pudesse manipular Deus da mesma forma que os deuses passivos das nações. Samuel corrige a doutrina de Saul a respeito de Deus—e possivelmente a nossa também: “a Glória de Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se arrependa” (1Sm 15.29).

Enxergamos Luz em Sua Luz
Como evangélicos modernos, necessitamos ouvir novamente este aviso de Tertuliano (160—220 d.C.):

“[É] palpavelmente absurdo da sua parte atribuir características humanas a Deus, ao invés de características divinas ao homem, e revestir Deus à semelhança do homem, ao invés do homem à imagem de Deus.”

Se nosso linguajar sobre Deus não respeitar aquele que é incompreensível, corremos o risco de adorar uma versão glorificada de nossa própria semelhança. Mas, se nossa postura é de humildade—uma fé que busca entendimento—então nossa gagueira se transforma em adoração. Nos maravilhamos e confessamos junto com Paulo que nosso Deus “habita em luz inacessível” (1Tm 6.16). Somente em “tua luz, vemos a luz” (Sl 36.9).

Traduzido por Rebeca Falavinha.

Matthew Barrett é professor associado de teologia cristã no Seminário Teológico Batista do Meio-Oeste, além de fundador e editor executivo da Revista Credo. Ele é o autor de vários livros, incluindo None Greater: The Undomesticated Attributes of God [Nāo Há Maior: Os Atributos Não-domesticados de Deus] (Baker, 2019). Atualmente, ele é o editor da série The 5 Solas [As 5 “Solas”] com a Zondervan. Pode-se segui-lo no Twitter.

fonte https://coalizaopeloevangelho.org/article/nao-banalize-deus-com-seu-linguajar/

 


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